Vamos narrar, conjunturas que afetam as famílias que residem na zona-rural... E estão ligados à falta de políticas de desenvolvimento, tais como a construção de infraestruturas básicas - estradas, pontes, sem acrescentar "os galhos", de acesso as propriedades, escolas, postos de saúde que tenham medicamentos, enfermeiro e medico . Alguns tópicos que incentiva o êxito-rural e da real situação, de como a vida do pequeno agricultor esta cada vez mais difícil: -Olá Luís, quanto tempo! Eu sou o Zé, teu colega de ginásio noturno, que chegava atrasado, porque o transporte escolar do sítio sempre atrasava. Lembra, “né”? O Zé do sapato sujo... Tinha professor e colega que nunca entenderam que eu tinha de andar a pé mais de uma légua para pegar a condução. Por isso, o sapato sujava. Se não lembrou ainda, eu te ajudo: lembra do Zé Cochilo?(hehehe...) Era eu. Quando eu descia da condução de volta pra casa, já era 11 e meia da noite e, com a caminhada até em casa, quando eu ia dormir já era mais da 1 da manhã. Antes de clarear o dia , o pai precisava da minha ajuda pra tirar o leite das vacas. Por isso, eu só vivia com sono. Do Zé Cochilo você lembra, “né”, Luís? Pois é... Estou pensando em mudar para viver aí, na cidade, que nem vocês. Não que seja ruim o sítio - aqui é bom. Muito mato, passarinho, ar puro... Só que acho que estou estragando muito a tua vida e a de teus amigos aí, da cidade. “Tô” vendo todo mundo falar que nós, da agricultura familiar, estamos destruindo o meio ambiente. Veja só! O sítio do pai, que agora é meu (não te contei: ele morreu e tive que parar de estudar), fica só à uma hora de distância da cidade. Todos os matutos daqui já têm luz em casa, mas eu continuo sem ter porque não se pode fincar os postes dentro de “uma tal” de APP que criaram aqui, na vizinhança. Minha água é de um poço que meu avô cavou há muitos anos: uma maravilha! Mas um homem do governo veio aqui e falou que tenho que fazer uma outorga da água e pagar uma taxa de uso, porque a água vai se acabar. Se ele falou, deve ser verdade, “né”, Luís? Pra ajudar com as vacas de leite (o pai se foi, “né”...), contratei Juca, filho de um vizinho muito pobre aqui do lado. Carteira assinada, salário mínimo, tudo direitinho - como o contador mandou. Ele morava aqui, “com nós”, num quarto dos fundos de casa. Comia com a gente, que nem da família. Mas vieram umas pessoas aqui, do sindicato e da Delegacia do Trabalho, e falaram que se o Juca fosse tirar leite das vacas às 5 horas tinha que receber hora extra noturna, e que não podia trabalhar nem sábado, nem domingo. Mas as vacas daqui não sabem os dias da semana e, aí, não param de fazer leite. Os bichos aí da cidade sabem se guiar pelo calendário? Essas pessoas ainda foram ver o quarto de Juca, e disseram que o beliche estava 10 cm menor do que devia! Nossa! Eu não sei como encompridar uma cama, só comprando outra, “““né”””, Luís? O candeeiro eles disseram que não podia acender no quarto; que tem que ser luz elétrica, que eu tenho que ter um gerador pra ter luz boa no quarto do Juca. Disseram ainda que a comida que a gente fazia e comia juntos tinha que fazer parte do salário dele. Bom, Luís, tive que pedir ao Juca pra voltar pra casa, desempregado, mas muito bem protegido pelos sindicatos, pelo fiscais e pelas leis. Mas eu acho que não deu muito certo. Semana passada me disseram que ele foi preso na cidade, porque botou um chocolate no bolso no supermercado. “Levaram ele” pra delegacia, bateram nele e não apareceu nem sindicato nem fiscal do trabalho para “acudir ele”. Depois que o Juca saiu, eu e Marina (lembra dela, “né”? Casei!) tiramos o leite às 5 e meia; aí, eu levo o leite de carroça até a beira da estrada, onde o carro da cooperativa pega todo dia - isso se não chover. Se chover, perco o leite e dou aos porcos; ou melhor, eu dava. Hoje eu jogo fora. Os porcos eu não tenho mais, pois veio outro homem e disse que a distância do chiqueiro para o riacho não podia ser só de 20 metros. Disse que eu tinha que derrubar tudo e só fazer chiqueiro depois dos 30 metros de distância do rio, e ainda tinha que fazer umas coisas pra proteger o rio, um tal de digestor. Achei que ele estava certo e disse que ia fazer, mas só que eu sozinho ia demorar uns “trinta dias” pra fazer. Mesmo assim, ele ainda me multou e, pra poder pagar, eu tive que vender os porcos, as madeiras e as telhas do chiqueiro. Fiquei só com as vacas. O promotor disse que, desta vez, por esse crime, ele não vai mandar me prender, mas me obrigou a dar 6 cestas básicas pra uma entidade social da cidade. Ô Luis, aí, quando vocês sujam o rio, também pagam multa grande, “né”? Agora, pela água do meu poço eu até posso pagar, mas “tô” preocupado com a água do rio. Aqui, agora, o rio todo deve ser como o rio da cidade: todo protegido, com mata ciliar dos dois lados. As vacas agora não podem chegar no rio pra não sujar, nem fazer erosão. Tudo vai ficar limpinho como os rios aí da cidade. A pocilga já acabou, as vacas não podem chegar perto. Só que alguma coisa “tá” errada: quando vou na cidade, nem vejo mata ciliar, nem rio limpo. Só vejo água fedida e lixo boiando pra todo lado. Mas não é o povo da cidade que suja o rio, “né”, Luís? Quem será? Aqui no mato agora quem sujar tem multa grande, e dá até prisão. Cortar árvore, então... Nossa Senhora! Tinha uma árvore grande ao lado de casa que murchou e estava morrendo. Então, resolvi derrubar pra aproveitar a madeira antes dela cair por cima da casa. Fui no escritório daqui pedir autorização. Como não tinha ninguém, fui no Ibama regional, preenchi uns papéis e voltei para esperar o fiscal “vim” fazer um laudo, para ver se depois podia autorizar. Passaram cinco meses e ninguém apareceu pra fazer o tal laudo. Aí, ai eu vi que o pau ia cair em cima da casa e derrubei. Pronto! No outro dia chegou o fiscal e me multou. Já recebi uma intimação do Promotor porque virei criminoso reincidente. Primeiro, “foi” os porcos, e agora foi o pau. Acho que desta vez vou ficar preso. “Tô” preocupado, Luís, pois no rádio deu que a nova lei vai dá multa de R$500 a R$20 mil por hectare e por dia. Calculei que, se eu for multado, eu perco o sítio numa semana. Então, é melhor vender e ir morar onde todo mundo cuida da ecologia. Vou pra cidade: aí, tem luz, carro, comida, rio limpo... Olha, não quero fazer nada errado; só falei dessas coisas, porque tenho certeza que a lei é pra todos. Eu vou morar aí, com vocês, Luís. Mas fique tranquilo: vou usar o dinheiro da venda do sítio, primeiro, pra comprar “essa tal” de geladeira. Aqui, no sítio, eu tenho que pegar tudo na roça. Primeiro, a gente planta, cultiva, limpa e reza pra que chova no tempo certo, só depois, colhe pra levar pra casa. Aí, com vocês, é bom que é só abrir a geladeira que tem tudo. Nem dá trabalho. Nem planta, nem cuida de galinha, nem porco, nem vaca É só abrir a geladeira que a comida “tá” lá: prontinha, fresquinha, sem “precisá” de nós, os criminosos aqui, da roça. Até mais, Luís.
Poesia de itarareense: ....Tudo aqui é beleza/Tem canto da passarada/Encantos da natureza/Aqui é minha morada. Agradeço a Deus, por isso tudo/Esse rincão pedacinho de mundo/Que eu quero permanecer/ No meu cantinho e meu chão/Pois nesse meu doce sertão/ que nasci e quero morrer". - Vandico Carlos Machado, Saudoso poeta sertanejo, nascido no Bairro Santa Barbara, em 06/01/1934 , viveu toda a sua vida no seu cantinho e no seu chão, vindo a falecer em 17/04/1998. Fica a sensação antecipada de sermos alertados sobre o que vai acontecer na nossa Zona-Rural, nos versos da última estrofe da poesia intitulada: Meu Cantinho no Sertão. Foi escrita em 1958.