Descendo a rua Newton Prado, logo avista-se o prédio da antiga Estação Ferroviária de Itararé, e a estrada de ferro que cortava o lado sul da cidade. Em 1979, entretanto, os trens de passageiros para Itararé foram suspensos pela Fepasa. Poucos anos antes, a Fepasa havia inaugurado o ramal de Pinhalzinho, que saía de Itapeva com direção à divisa do Paraná encurtando a distância que as composições teriam de percorrer para chegar ao Sul. Isto esvaziou o trecho Itapeva-Itararé do ramal, até que, em 1993, o tráfego acabou, com a supressão do trecho Itararé-Jaguariaíva, da RFFSA. A Estação Ferroviária de Itararé, que era uma das maiores e mais importantes estações da Sorocabana ficou isolada, bem como todas as estações que se situavam além de Itapeva e sem cargas para justificar seu uso. Há poucos anos, quando os trilhos da RFFSA no Paraná, até Jaguariaíva, foram retirados, a Fepasa acabou por permitir a retirada dos seus trilhos da área central de Itararé. A estação foi abandonada. Tive o dessabor, de ver seus dormentes carcomidos e desgastados pelo tempo que apresentavam sulcos, buracos e descansavam sobre si os pesados trilhos da ferrovia, mais mesmo assim teimavam em resistir. Um pouco a frente era a famosa e imponente Estação Ferroviária, desejando boas vindas aos que desembargavam e desejando boa viagem a quem partiam. Pensando em resgatar, o frenético movimento, da Estação de Itararé, coletei vários depoimentos de ex-ferroviários ou de seus familiares. Um dia, na década de 1950:
Deslizando sobre a estrada de ferro aproximava uma locomotiva diminuindo a marcha para estacionar em seu pátio. O resfolegar da máquina denotava bravura seguida da insistência da caldeira tentando colocar força, mas sendo retida pelos freios acionados pelo maquinista José Vieira de Barros, que de seu ponto de operação começa puxar a corrente fazendo o "cavalo de ferro", apitar e soltar mais fumaça. A plataforma como era de se esperar recebia os mais diversos transeuntes que se misturavam com os passageiros. Ao fundo, tentando desvencilhar do aglomerado de pessoas avistava o caixeiro-viajante, o saudoso Dito "Singer", como era conhecido em nossa cidade , com sua inseparável mala de madeira revestida de um material meio amarelado, desviando de um ou de outro; Próximo dele uma senhora bonita, desfilando de forma elegante, conduzia pendurado no antebraço uma sombrinha fechada e bem pertinho a mão de seu amado marido, o saudoso Ari Mariano, funcionário da agência Willians, cujo o proprietário o sr. Oswaldo Silva, já acomodado em um dos bancos, no vagão de primeira classe, fazia o ritual para acender seu inseparável charuto. Andando a passos largos, o Pedro Bueno, agente ferroviário com sua farda e quepe na cabeça diferenciando dos demais, no mesmo instante que começava soprar o apito, indicando para aqueles que aguardavam que estava na hora de embarcar. A sua frente cruzou o Antônio Brum (Bicho Cru), com terno de linho 120 branco, na cabeça um chapéu de coco, sapato branco e não usava meias em umas das mão entre os dedos uma cigarrilha e com a outra deslizava para o bolsinho da calça, onde puxou um relógio pendurado em uma corrente para conferir a hora. O vai e vem de pessoas subindo e descendo do trem, caminhando pela estação, parecia não acabar, alguns paravam para saborear uns salgadinhos, e beber um famoso refrigerante de Itararé, a famosa sodinha Vilela, no bar da Estação de propriedade do Francisco Vicente da Silva (Chico Preto). Saí, contemplando aquele cenário que demostrou fartura, quando um pouco adiante me deparei com outra composição ferroviária um trem cargueiro estacionado em frente do depósito de mercadorias. Do mesmo modo da estação, o movimento a sua volta com muitas pessoas. Os carregadores , chapas ou estivadores, alguns com camisa, outros sem, empunham sobre a cabeça uma rodilha de pano e couro, uma espécie de suporte usado para ajudar a apoiar e aliviar os pesos dos fardos de algodão ou sacarias que carregavam, num frenesi constantes, entre eles, o Zé Beleza e o Biguá, ao lado dois vagões estacionados carregado, um de sacarias com arroz cateto, o outo carregado de barris de vinhos "Vanguarda", oriundos da serra gaúchas, prontos para a descarga, no caminhão De Soto, dirigido pelo Dito Caetano, foi 1°. caminhão da frota, do empresário Gumercindo Ferreira Santos, estabelecido na São Pedro-2.222. Do outro lado, várias carroças aguardavam o descarregamento de vários tipos de mercadorias para o comercio de Itararé, e também carregadas de mercadorias para despachar para vários municípios, lá estava o Francisco Assis Stlader (Acir), com sua carroça, para mais um dia de trabalho. O Boa Aventura Dias, com seu carro de boi, transportava fardos de algodão da Algodoeira do Gabriel Jorge Merege, localizada bem próxima da estação. O que chamou atenção, foi um carregamento da Banha Caiçara, produzida pelo empresário Antônio Pelissari, para despachar para São Paulo e para vários municípios, levando o nome de Itararé, por esse Brasil afora. Além das carroças, caminhões oriundos da nossa zona rural com vários tipos de produtos agrícolas: feijão, milho e trigo; A lenha, era transportadas pelos caminhões da frota da ferrovia, e um dos motoristas era o Clidão Preto; Laercio Silva, no seu caminhão "Diamante Azul", Nelson de Almeida (Tenente), Celso Teixeira (Guacé), entre outros. Os taxistas, tinham um ponto rotativo na estação, dentre eles : José Silva (Zezé), Mário Libanio, João Lara dos Santos (Tambiú), Wanderlei Ferreira Paes (Xaxá ) , Benedito Galvão dos Santos (Pixilico)... Os motoristas para matarem o tempo, formavam rodas de conversa e piadas regadas de risos e gargalhadas. O movimento da estação, continuava sua sina, agora com despedidas das mais diversas, beijos leves, abraços e as recomendações para quem embarcava. O universo de conversas, choros e acenos era cortado e atrapalhado pelo silvar do apito do Agente Ferroviário, indicando que a locomotiva estava próxima de partir. O Zé Vieira, novamente iniciava na maquina de ferro, o resfolegar feroz, como a dizer todos que queria ganhar estrada. Na estação, pude ver sua plataforma começando a esvaziar, os bancos quase desocupados. O "Dito Louco", finalizando a limpeza da gare e no átrio, onde ficavam as salas das bilheterias telegrafo, a escadaria de acesso e alguns funcionários concluindo suas tarefas. Após sua desativação, alguns anos depois, passando em frente ao prédio que era o armazém e residência do sr. Antônio Pelissari, vi um paredão, pintado a cal, na grande lateral, não trazia mais gravada em letras enormes o nome daquela que era a maior de nossa região: Algodoeira Gabriel Jorge Merege Ltda. No interior do prédio, entulhos e um amontoado de ferragens enferrujadas e ao centro destacava-se a maquina de beneficiar algodão.. Novamente voltei a olhar para a estação e o que vi foram portas e janelas fechadas, algumas carcomidas e deterioradas. A sua volta nenhum cargueiro de pessoas ou de mercadorias. A sua estruturas, com enormes vigas, abrigavam um grande criatório de pombos. Na plataforma nenhum pé de pessoa, nenhum trem, apenas o vazio, apenas o nada. Permaneci parado contrastando o cenário passado com o atual. E subitamente voltei o olhar para os Dormentes e Trilhos, protagonistas e testemunhas mudas de uma grande história do passado de Itararé; Maior entreposto de madeiras do Brasil. Maior fornecedor de suínos do Estado de São Paulo. Destaque na plantação de trigo e a Capital do feijão. Tudo isso aconteceu na "Sentinela da Fronteira", que num passado não muito distante proporcionou cenas de uma economia quase imbatível.
Frase de itarareense - "Sistema ferroviário: Orgulho mundial; Vergonha brasileira": José Vieira de Barros.